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44. Cultura & Lazer
da chamada Casa das Dez Mil Espingardas. Trata-
-se de uma diferença mais nominal do que téc-
nica. De qualquer forma, essas armas tinham o
mecanismo e o cano em ferro, e a coronha em
madeira. Depois, nas armas japonesas surgem
com frequência os mecanismos em latão (exceto
as molas), material mais fácil de trabalhar, que
não sofria os efeitos da corrosão da combustão da
pólvora (cortesia Jaime Regalado).
Estava dado o passo que mudaria a história do
Japão, à época um território espartilhado e mer-
gulhado em guerras intestinas, onde a unidade
política e a centralização do poder inexistiam em
detrimento do poder individual dos senhores
da guerra – os dáimios. Conforme refere Fernão
Mendes Pinto, cinco meses e meio depois (quan-
do abandonou o território) estavam em uso 600
espingardas, que se multiplicaram nos anos se-
guintes, pois quando ele regressou (1551/1553)
havia mais de 30 000 espingardas espalhadas
Espingarda de mecha japonesa: pormenor do mecanismo de disparo pela ilha de Kyûshû e 300 000 por todo o ar-
quipélago. Iniciava-se, então, o Período Azuchi-
dia que vinha da caça com muita soma de pombas -Momoyame (1568-1600), conducente à reunifi-
e de rolas, a qual ele aceitou por peça de muito cação, que se ficou a dever, em grande medida,
preço, e lhe afirmou que a estimava muito mais aos feitos de três chefes militares, que percebe-
que todo o tisouro da China, e lhe mandou por ela ram as valências táticas da espingarda de mecha:
mil taéis de prata, e lhe rogou que lhe ensinasse a Oda Nobunaga (1534-1582), Tyotomo Hideyoshi
fazer pólvora, porque sem ela ficava a espingarda (1536-1598) e Tokugava Ieyasu (1542-1616). De
sendo um pedaço de ferro desaproveitado, o que facto, a par do uso da cavalaria, a espingarda
o Zeimoto lhe prometeu e lho cumpriu”. foi usada por homens apeados que, com reduzi-
Como funcionava a espingarda? Uma mecha do treino, atuavam organizados em esquadrões
ou cordão era aproximado da pólvora contida na de espingardeiros dizimando pelo fogo o inimi-
caçoleta que, premindo uma alavanca (o gatilho), go. Com uma cadência de tiro a variar entre 1-2
produzia a ignição da carga contida no cano, pro- tiros por minuto e com um alcance eficaz de 30
duzindo o disparo. Com este mecanismo surgi- metros, as formações de espingardeiros concen-
ram na Europa dois tipos diferentes: o fecho de travam, em descargas simultâneas, fogo cerrado
Nuremberga/Boémia e o fecho Maximiliano. No sobre o dispositivo adversário. A generalização
primeiro, o cão que suporta a mecha move-se das armas de fogo, onde o canhão apareceria no
no sentido horário, isto é, de trás para a frente; último quartel do século XVI, modificou também
no segundo, o cão roda no sentido contrário, a conceção estratégica de construção e localiza-
ou seja, da frente para trás. O sistema que se di- ção das fortalezas.
vulgou na Europa foi o fecho Maximiliano, mas Na posse da arma de fogo e com o arquipélago
quis o destino que os Portugueses levassem para a caminho da centralização política, o Japão pôde
Oriente, Japão incluído, o sistema Nuremberga/ dissuadir eventuais ameaças externas, como por
Boémia, provavelmente saído do arsenal de Goa, exemplo de Ingleses, Holandeses e, sobretudo,