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4. Recrutamento Militar no Século XVI Português: A Inconsistência de um Sistema (1495-1578)

                     O regimento manuelino será a base da organização militar à europeia,
               à  suíça  que,  formalmente,  aproxima  os  portugueses  de  uma  certa  maneira
               europeia  de  fazer  a  guerra.  Com  mais  ou  menos  aproximações,  trata-se  do
               modelo, institucionalizado, se quisermos, de organizar forças militares de terra,
               muito embora os alvarás que lhe dão forma sejam particularmente parcos (dir-
               -se-ia omissos, mesmo) em referências explícitas do seu modo de funcionamento
               táctico.  Mesmo  assim,  conhecemos  as  iniciativas  do  monarca  em  contratar
               homens experientes na guerra europeia para dar forma a estas novas unidades.
               Este embrião de soíças, de gente de pé organizada segundo o preceito moderno,
               europeu, e apesar de Afonso de Albuquerque cedo pedir e conseguir a exportação
               para a Índia destas companhias de ordenança, estarão na origem de um conflito
               político que ocupará alguns decénios do século XVI português e que se resume
               na tentativa contínua da Coroa, a partir de D. João III, período das regências e
               sobretudo de D. Sebastião, de retirar importância aos núcleos tradicionais do
               poder militar senhorial, as ordens militares e as hostes senhoriais, anulando-
               -lhe a função através da criação de unidades profissionais ainda que de carácter
               transitório e do alargamento da base social dos que faziam a guerra.
                     Com efeito, não eram apenas os recrutados que se queixavam. Muitos
               fidalgos  havia  que  se  recusavam  participar  na  ordenança,  por  se  tratar  de
               combate apeado, coisa que a fidalguia, cavaleira e cavalheira, simplesmente não
               admitia. Muito diferente esta postura do que já se passava na vizinha Espanha.
               A infantaria tinha já obtido tal prestígio que na batalha de Pavia, 1525, Afonso
               de Ávalos, marquês de Vasto, quis seguir a pé com a peonagem no que não foi
               autorizado pelo seu tio, Fernando de Ávalos, marquês de Pescara. 16
                     Mesmo  assim,  no  seguimento  da  nomeação  de  Bartolomeu  Ferraz
               de Andrade,  e tendo a Lei de 1508 como enquadramento legal, há notícia
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               16   «Unos años atrás, hubiera sido inconcebible que un noble desease ir con la peonada, y menos
               aún desmontado. La arcabucería española había cambiado muchas cosas». In CUESTA, Julio Albi
               de la, De Pavía a Rocroi – Los Tercios de Infantería Española en los Siglos XVI y XVII. Madrid: Balkan
               Editores, 1999, p. 22.
               17   Bartolomeu Ferraz fora veterano das Guerras de Itália, servindo Francisco I de França, o que
               não era habitual entre os soldados da fortuna portugueses quando escolhiam lados entre o rei
               de França e o Imperador. Cavaleiro da Casa Real, recebe tença de D. João III pela quitação que
               conhecemos de 7/10/1524 – ANTT, CC, I parte, mç. 31, n.º 68. O rei fê-lo coronel-mor e é por
               causa desta nomeação que Cristóvão Leitão irá para o Porto instruir as ordenanças, devendo
               para isso ter recebido ordens de Ferraz. Cf. SARAIVA, José Hermano (Coord.) – Ditos Portugueses
               Dignos de Memória (Autor Desconhecido). Mem Martins: Europa-América, 1997, pp. 442-3.
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