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4. Recrutamento Militar no Século XVI Português: A Inconsistência de um Sistema (1495-1578)
não se restringia à imaterialidade: a lei dava forma à cavalaria. As Ordenações
Manuelinas, na sua última versão de 1521, impõem diversas obrigações ao
cavaleiro, na sua dimensão social, ética e económica. Como desde o início
do seu reinado a base social da cavalaria se está a alargar, a correspondente
base fiscal deve beneficiar a Coroa. Eis porque as Ordenações estabelecem:
«E por quanto em os Nossos Luguares d’Alem Mar, e assi nas Armadas que
Mandamos, se fazem soltamente muitos Caualeiros pelos Nossos Capitaens,
Determinamos, e Mandamos, que os ditos Caualeiros que se fezerem de vinte
e huu dias do mês de Maio do anno de Nosso Senhor Jesu Christo de mil e
quinhentos e dous em diante, e assi os que se daqui em diante fezerem, nom
sejam escusos de paguar Juguada, posto que polos Foraes sejam escusos; saluo
aquelles que leuarem Nosso Sobre Aluará […].» A nobilitação pelas armas
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era um fenómeno crescente e a Coroa vê a oportunidade de cobrar o antigo
imposto da jugada apesar de muitas cartas de foral isentarem nobres e fidalgos
do seu pagamento. Simultaneamente proíbe que um cavaleiro se entregue a
actividades de compra e revenda de artigos, numa clara preocupação de manter
elevados padrões de conduta. A lei proíbe, de facto. O seu incumprimento será,
todavia, constante. As Ordenações contêm ainda (Livro 5, tit. 88, § 7 e 8) uma
disposição que proíbe a passagem de cavalos na fronteira sem pagamento de
respectivas taxas e, sobretudo, proíbe que estrangeiros comprem cavalos para
os tirar do reino. Há um claro proteccionismo económico relacionado com
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solípedes mas parece haver, igualmente, a preocupação de manter efectivos
bastantes para a sua reprodução. Aliás, desta preocupação só se voltará a ter
notícia em 1566 quando o Cardeal Regente publicar o Regimento dos Vedores
das Éguas, reflectindo a preocupação da reprodução e criação de montadas.
Tão importante e pormenorizado é este regimento que «dele seria quase
20 (cont.) grupos tradicionalmente poderosos na sociedade. Os filhos e os netos destes novos
nobres faziam questão de ostentar os mesmos sinais exteriores de pertença à casta: criados,
escravos quando possível e, obviamente, cavalos. O cavalo era, aliás, a peça central dessa
ostentação e símbolo dessa pertença. Cf. OLIVAL, Fernanda – «Juristas e mercadores à conquista
das honras: quatro processos de nobilitação quinhentistas». Revista de História Económica e
Social, n.º 4 – 2.ª Série/2.º Semestre de 2002. s.l., Âncora Editora, 2002, p. 11.
21 Ordenações Manuelinas, Liv. II, Tít. 16, § 39.
LIÃO, Duarte Nunes do – Leis Extravagantes e Repertório das Ordenações, (Introd. de Mário
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Júlio de Almeida Costa), ed. Fac-similada da edição de 1569, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian,
1987. Repertório, p. 17.
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