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4. Recrutamento Militar no Século XVI Português: A Inconsistência de um Sistema (1495-1578)
necessário, pois sabemos que muitas vezes trajava como os locais para melhor
se integrar na paisagem física e humana.
Diferente da cavalaria pesada europeia, couraçada ou à estradiota, mas
também diferente do que em Portugal já se praticara. Desde a invasão de Castela
por D. Afonso V e da campanha que culmina na Batalha de Toro (1476) que os
portugueses lentamente abandonam o cavalo como arma no território europeu.
A velha cavalaria acobertada e pesada, tanto a fidalga como a vilã que resultava
do regimento dos coudéis (1418), aquela mais luzidia e rica, esta menos vistosa,
decaem depois de Toro ao ponto de, à semelhança do que se passará com
os besteiros e a sua secular organização, serem os acontiados extintos nas já
referidas Cortes de Lisboa de 1498.
Dez anos depois da decisão régia tomada em cortes, vemos o primeiro
passo para a criação de um novo sistema militar no reino. É aprovado o Regimento
das gentes de ordenanças, que assim reza:
«toda a gente da ordenança que ora é feita, assim em nossa corte
como polo reino […] indo com nossa pessoa, ou sem ella, quando por
nosso serviço o houvermos […] Item, lhe damos na dita Capitania as
pessoas dos capitães, e as outras pessoas que são vindas de Itália, e
quaesque[r] outras desta calidade, que ao diante mais recebermos,
que seja gente deste mester, e terá a capitania deles; e com elle
servirão com toda a outra mais gente da dita ordenança». 13
A lei é escassa em informação adicional. Todavia, a alusão à gente que
veio de Itália e a que for incorporada sendo do mesmo ofício, não deixa margem
para dúvidas quanto a que tipo de organização militar se refere. A 20 de Maio
do mesmo ano, é emitido novo alvará, de Regimento, este muito mais extenso e
completo. Aprofunda a ideia de que o âmbito de acção das forças de ordenança
não é apenas o da corte mas sim que se estende por todo o reino. Estabelece
soldos e uniformes para os do Paço mas não exclui o mesmo princípio para tropas
a levantar, e estabelece que os homens «serão obrigados a aprender a ordenança
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de piques, e assim atirar com espingarda, segundo lho dito D. Nuno ordenar».
MORAIS, Alberto de – «Ordenanças e ginetes d’el Rei». In Boletim do Arquivo Histórico Militar.
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Lisboa, vol. 24, 1954, pp. 161-162. Em 1504 Fernando o Católico criara uma Guarda de Alabardeiros,
do paço, cujo comando entregara ao veterano Gonzalo de Ayora. O acto de D. Manuel pode ter
tido influência espanhola.
Idem, p. 164.
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