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RecRutamento no exéRcito PoRtuguês – do condado Portucalense ao século xxi
e terminado, do qual se pode aproveitar hoje algum útil resquício para
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adaptar à realidade portuguesa, otomana e de sociedades eslavas do centro
europeu, assentou na necessidade de perceber até que ponto a introdução
das armas de fogo, pesadas e ligeiras, tinham alterado não só a fisionomia
dos campos de batalha mas a própria guerra como até então se conhecia.
É certo que a descoberta pelos pisanos, quando do cerco à cidade pelos
florentinos em 1500, que um monte de terra solta era mais eficaz na defesa
contra a artilharia pirobalística do que os velhos panos de muralha, fez iniciar-
-se uma extraordinária mutação nas técnicas de construção defensiva (baixar
as muralhas em altura, aumentando o seu espessamento), naquilo que ficou
conhecido como a Trace Italiene, e que as mesmas resultaram no aumento da
capacidade de defesa das praças e consequente aumento do tempo para as
tomar – e defender – provocou uma concomitante necessidade de aumento
de recursos humanos e financeiros que marcou, logo no início do século, a
guerra europeia até ao século XX. Também é claro que pouco tempo antes a
cavalaria tinha importante função na guerra europeia – talvez mais como meio
de movimento que, propriamente, de choque. Veja-se o que se passava na
península italiana no final do século XIV: arqueiros e besteiros ingleses levados
pelo Condottiero inglês Sir John Hawkwood para Pisa, mercenários suíços ao
serviço de Milão ou dos Estados Papais, turcos e albaneses empregues como
cavalaria ligeira, os stradiotti, ao serviço da República de Veneza ou do Reino
de Nápoles, todos eram protagonistas de culturas militares distintas e todos
concorreram para que Itália se tornasse palco de enormes transformações e
aprendizagens guerreiras. 6
5 Sobretudo depois da publicação de HALL, Bert S. – Weapons & Warfare in Renaissance
Europe Baltimore Univer Press, BLACK, Jerem (Ed.).
European Warfare, 1453-1815. Londres: Macmillan Press, 1999.
6 Além de serem mentores de uma nova cultura táctica revelando níveis muito elevados de
eficácia militar, o legado da cultura militar romana que perpassa não só a vida dos comandantes
militares destas guerras entre cidades-estado como o que deles se conhece em termos
de cultura escrita, é enorme. Conheciam, à semelhança de muitos comandantes militares
contemporâneos, os escritos dos dois maiores pilares da doutrina militar da época, Júlio César
e Vegécio. Da obra de César, Commentarii de Bello Gallico c manuscritos
anteriores ao ano de 1300. E quanto à obra de Vegécio Epitoma Rei Militaris, conhecem-se 220
manuscritos latinos, completos, 58 dos quais são anteriores ao ano de 1300. Sobre as inovações
tácticas e técnicas que os condottiere trouxeram à ciência e arte militares, ver MURPHY, David –
Condottieri 1300-1500, Infamous medieval mercenaries. Oxford: Osprey Publishing, 2007, obra
ligeira mas bastante informativa.
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