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RecRutamento no exéRcito PoRtuguês – do condado Portucalense ao século xxi
como se estavam a organizar, conhecem mudanças na sua proto-estrutura.
Razões essencialmente fiscais e de tentativa de acalmia dos povos estarão na base
da sua decisão já que o sistema de recrutamento estava eivado de corrupção e
distorções que frequentemente perturbavam a paz no reino. A versão definitiva
dos capítulos gerais apresentados pelo povo não deixa margem para dúvidas. O
capítulo 53 dispõe:
«Jteem por sermos certo que Aos pouoõs de nossos Reynos se
seguia grande Opressam Em era hi aComtiados beesteiros do Comto
E asy beesteiros da Camara, posto que taees Coussas fosseem
hordenadas pelos Reis nosoa amteçesores […] E vista yso mesmo a
gramde opresam que os ditos nosos pouos das semelhantes Coussas
Reçebiam[,] por folguarmos de lhe ffazer merçee, Nos praz que daquy
em diante nam aJa mais os taães Acomtiados Neem beesteiros da
Camara nem do Comto Neem os oficiaes mores e pequenos que dos
ditos acomtiados e priuiligiados tinham Carreguo[…]». 3
De uma assentada, o Venturoso rei extingue todo o sistema de
recrutamento de besteiros do conto, dos besteiros da câmara, elimina todos
os cargos inerentes ao seu funcionamento, e estende a decisão às restantes
formas de levantamento de homens para a guerra. Estabeleceu excepções para
os besteiros do Monte de algumas localidades do Alentejo, Algarve e Beira Baixa
por serem locais de habitual recrutamento de besteiros voluntários para servir
nas praças africanas, e de fraldilha, em Lagos, pelas mesmas razões.
Parece haver, no entanto, algo mais nas intenções régias pois apesar da
cultura senhorial própria a um monarca do seu tempo, D. Manuel estaria atento
aos novos ventos que sopravam no mundo, fruto também das grandes travessias
transoceânicas que tanto promovera. É que o rei mostra, pela sua acção, saber
que a guerra estava a mudar. Em praticamente todos os seus aspectos. Nem
faria sentido pensar-se que o monarca, ao desmontar as estruturas militares
defensivas existentes no reino pudesse querer retirar eficácia à capacidade
militar da Coroa.
O panorama militar no ocidente começa a conhecer discretas, mas
vincadas transformações com uma nova valorização da infantaria, ainda nos
finais do século XIII, quando unidades de infantaria, devidamente organizadas,
Cortes Portuguesas, Reinado de D. Manuel I (Cortes de 1498). Lisboa, Centro de Estudos
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Históricos, Universidade Nova de Lisboa, 2002, p. 329.
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