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4. Recrutamento Militar no Século XVI Português: A Inconsistência de um Sistema (1495-1578)
O capitão de Tânger, Rui de Sousa de Carvalho, o Herói de Mazagão, defende
com 450 cavaleiros o território circundante contra uma força de 2000 cavalos
dos alcaides de Alcácer, Arzila e Tetuão. Barbosa Machado, em meados do
século XVIII, relata o combate como tendo sido uma gloriosa jornada onde
a cavalaria mostrara o valor das armas portuguesas. Mas no pormenor do
texto descobrimos a eventual presença de forças de infantaria devidamente
organizada, quando o autor refere o som de trombetas, instrumentos comuns
em forças de infantaria que, a par de tambores e pífaros, ajudavam ao
complexo processo de movimentação das unidades no terreno. Diz o preclaro
presbítero,
«travando-se hum formidavel combate pelo espaço de duas horas,
naõ podendo os Mouros romper o nosso esquadraõ, se retiraraõ
confusos, e destroçados, mandando para final da victoria o Capitaõ
mór tocar as trombetas, cujo armonico estrondo sendo plausivel
aos vencedores era funesto aos vencidos». 30
Ora a palavra esquadrão, que no século XVI se referia à infantaria, dois
séculos mais tarde refere-se já, e também, a forças de cavalaria, deixando
dúvidas quanto à constituição efectiva das forças. Mesmo assim, este combate,
sobretudo montado e à gineta, revela a já conhecida e antiga existência de
cavalaria como força militar em pleno uso das suas potencialidades, naquele
contexto geográfico e cultural.
O segundo episódio refere-se à famigerada batalha de Alcácer-Quibir.
Após o funesto evento, não faltaram vozes críticas, mais ou menos veladas,
quanto à má condução militar das forças cristãs, ao comando do monarca e
de quem o aconselhou. Relevante, a opinião do autor anónimo da chamada
Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, que critica a opção
de afastamento das formas tradicionais de guerra em uso na região, da forma
europeizada que o monarca escolheu para combater, sobretudo no que toca
à cavalaria. Claramente oposicionista ao uso de cavalaria pesada, acobertada,
à europeia, e defensor manifesto do uso da gineta, da cavalaria ligeira que os
portugueses souberam aprimorar durante 150 anos no Algarve d’Além, escreve
o cronista:
30 MACHADO, Diogo Barbosa – Memorias para a Historia de Portugal que Comprehendem o
governo Delrey D. Sebastião, Tomo III. Lisboa: na Officina Sylviana, MDCCXLVII, pp. 552-553.
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