Page 161 - recrutamento
P. 161

4. Recrutamento Militar no Século XVI Português: A Inconsistência de um Sistema (1495-1578)

               -se de uma lógica de provisionamento muito diferente do que se passa na guerra
               terrestre  e  a  sedimentação  de  procedimentos  de  recrutamento  e  selecção  é
               muito  antiga.  Recorde-se  como,  em  função  quase  exclusiva  de  transporte,  a
               marinha (genericamente assim designada já que foram utilizados muitos navios
               que nem sequer tinham exclusiva função militar) se organizou para a conquista
               de Ceuta em 1415. 36
                     Um século mais tarde, este sentido de organização era ainda mais apurado
               pois  as  grandes  viagens  transoceânicas  assim  o  obrigavam.  Mas  mesmo  em
               viagens de menor distância, os procedimentos estavam já muito organizados.
               Veja-se  o  caso,  em  Agosto  de  1524,  por  exemplo,  quando  Pero  Botelho,
               comandante da Armada do Estreito, recebe ordens para se deslocar às praças
               d’Além a fim de levar as soldas para os militares ali estacionados. A armada
               largou de Lisboa a 18 de Agosto para, no dia seguinte, atracar a Belém por não
               ter o número exacto no conto de homens que deveria ter. Não teve dificuldade
               em ali contratar um genovês, marinheiro, alguns espingardeiros e besteiros e até
               trocar um marinheiro por outro por se ter incompatibilizado com ele.  Pouco
                                                                               37
               sabemos das qualidades e características técnico-militares destes homens que
               eram  contratados  para  fazer  a  guerra.  Apenas  podemos  assumir  que  teriam
               alguma recomendação escrita com eles, algum documento que comprovasse a
               sua experiência.
                     O recrutamento e mobilização de homens para a guerra, no século XVI
               português, apresenta contornos de inconstância e até inconsistência quando
               comparado com o que se passava noutras potências europeias. O enquadramento
               legal é indefinido, não tem carácter universal, estando em constante construção,
               desde  a  decisão  de  D.  Manuel  nas  cortes  de  1498  até  à  profusa  produção
               legislativa de D. Sebastião. As Ordens Militares e as hostes senhoriais, na sua
               estrita importância militar, conhecem o início do seu ocaso logo com D. Manuel,
               excepção feita aos Hospitalários, mais por razões externas do que exclusivamente
               nacionais. Com o reinado de D. João III, com o surgimento em cena e em força

               36   Veja-se o muito interessante capítulo da obra Viagens e Operações Navais de José Virgílio
               Pissarra. Nele, o autor apresenta detalhe sobre a organização da expedição no que concerne,
               também,  ao  recrutamento  de  homens.  Os  do  Douro,  Beiras  e  Trás-os-Montes  embarcaram
               no Porto enquanto os do Lisboa, Alentejo e Algarve fizeram-no em Lisboa, revelando rigor no
               procedimento, do recrutamento à selecção, de forma a ser logisticamente viável. Cf. PISSARRA,
               José Virgílio – Viagens e Operações Navais (1139-1499), (coord. de José Rodrigues Pereira), Lisboa,
               Academia de Marinha, 2019, pp. 152-169, Passim.
               37   ANTT/ Contos do Reino e Casa, Núcleo Antigo, 617, 1524.
                                                                                  149
   156   157   158   159   160   161   162   163   164   165   166