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Cultura & Lazer
UMA VISÃO DA HISTÓRIA
Mas o que é isso do espírito bém estava presente) com a questão:
- Como era possível a partir do recrutamento geral,
cavaleiro? Será o que faz a com muito pouca seleção e em pouco tempo, preparar
diferença, condescende, mas, uma tropa capaz de assumir como normal semelhante
de onde vem? É alguma unção? comportamento?
Lembro-me do Capitão Vasco Ramires olhar para
São tocados por alguma varinha ele atónito e dizer:
mágica? Como se cria esse - Mas que raio de pergunta, então não se está mes-
espírito?” mo a ver, é o espírito cavaleiro.
Fernando Farinha não se deu por achado e insiste:
- Mas o que é isso do espírito cavaleiro? Será o que
faz a diferença, condescende, mas, de onde vem? É al-
rilheiro), a última coisa que podia pôr em risco era a guma unção? São tocados por alguma varinha mágica?
sua vida. Ele estava ali para molestar, para fazer prova Como se cria esse espírito?
de existência e só com isso cumpria em grande parte Percebia perfeitamente as dúvidas do Fernando Fa-
a sua missão. rinha. Para ele era claro como se criava, em tropas como
Mas como fazer intuir ao cavaleiro que, ao invés os Comandos, uma mística própria, mas isso pressupu-
do que era para a Infantaria o procedimento instinti- nha uma alta taxa de seleção, o que não acontecia nas
vo, recomendado e treinado, de se atirar para o chão tropas a cavalo: dos recrutas poucos eram dados como
como reação primeira ao fogo inimigo, procurando de- inaptos, não havia muito por onde escolher.
saparecer como alvo e, só a partir dessa posição, reagir Eu estava refletindo na matéria, era questão que já
sob comando, para os cavaleiros a solução era carre- me tinha colocado... e, pouco a pouco, lá fomos cons-
gar como reação imediata, atirarmo-nos para cima de truindo uma explicação.
quem nos está a alvejar, de peito feito em cima de um Afinal, pouco ou mais nada há a dizer das causas e con-
cavalo, constituindo um grande alvo, tendo como ar- sequências do espírito cavaleiro. A diferença não está no
mamento a G3, excelente como espingarda de assalto homem... está no cavalo. É um caso típico em que a resul-
da Infantaria, mas para nós, um trambolho que não se tante é maior que a soma das partes. JE
podia manusear com uma só mão, tínhamos de apoiá-
-la no antebraço esquerdo, fazendo um tiro enviesado Uma pausa, algures no leste de Angola
com o sentido da marcha. Com o tempo passei a pôr a Foto: António Alves Monteiro
minha G3 no cavalo de baste e a levar na mão somen-
te a pistola Walther, solução mais tarde generalizada
quando todos iam armados de G3 e pistola.
Como levar o cavaleiro a adotar este comportamen-
to?
Ao Fernando Farinha - uma lenda daquela guerra,
como repórter na altura ao serviço da revista Noticia,
desde Nambuangongo até à guerra civil que deixámos
em Angola e que foi quem mais rações de combate co-
meu, mais quilómetros fez, a pé e connosco a cavalo,
quem mais de perto (leia-se debaixo de fogo) e, du-
rante mais tempo, viveu a Guerra do Ultramar - in-
trigou profundamente o comportamento das tropas a
cavalo, quando confrontadas com fogo inimigo.
Ele confrontou o Capitão Vasco Ramires (eu tam-
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