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Cultura & Lazer
UMA VISÃO DA HISTÓRIA
Luanda parecia
indiferente ao drama que
se estava a desenrolar
nessa memorável noite de
3 para 4 de fevereiro de
1961.”
[Coronel Barão da Cunha]
tampo de pele, originária de um soba do su-
deste de Angola, constituíam o mobiliário da
residência daqueles jovens. Nas paredes, tro-
féus de caça, sob a incidência do luar, projeta-
vam sombras bizarras.
Para lá da varanda, a cidade sonhava, es- Alferes Caçorino Dias, Policia Militar, Angola 1961
preguiçando-se na sua inseparável baía. A ju-
ventude dormia o sono pesado dos 20 e poucos
anos. Perplexo, José Caçorino levantou-se e
De repente, um deles começou a agitar- aproximou-se da varanda. Não podia haver
-se. Soergueu-se no leito e afastou o lençol. dúvidas. Eram tiros que se ouviam, perturban-
Passava-se qualquer coisa de estranho; ouvira do aquela tranquila noite.
como que um ranger de portas. Mas agora es- - Vamos a isto!
tava bem desperto. O ruído cadenciado fazia- Rapidamente, os dois jovens transformam-
-se ouvir de novo. -se em dois Alferes.
Saltou da cama e foi até à varanda. Certamen- - Tens alguma arma, Zé?
te enganara-se, a cidade dormia tranquila, nada - Tenho aqui uma 6.35... Cá está ela. E tu?
poderia perturbar aquela calma... - Não tenho nada. Dá-me aí o teu pingalim...
Não, era a sério! Eram tiros! Eram rajadas Quando atingiram a rua, esta permanecia
de metralhadoras. deserta.
- Zé!... Acorda! Luanda parecia indiferente ao drama que se
- Deixa-me dormir. Parece que és parvo! estava a desenrolar nessa memorável noite de
- Acorda. Deve haver azar! 3 para 4 de fevereiro de 1961.
O companheiro, resmungando, pretendia Começaram a andar e os passos ressoavam
virar-se para o outro lado e continuar o sono, por entre os prédios enormes.
mas, perante a insistência dos chamamentos e Nessa noite tudo se estava a modificar. En-
abanões, lá se sentou na cama. quanto os passos dos Alferes iam martelando
- Não estás a ouvir? as pedras da calçada, os tiros continuavam
* Excerto de
- Não... Espera, oiço qualquer coisa. uma passagem longe, para as bandas do porto, no presídio
- São tiros, Zé. do livro do que estava a ser assaltado.
autor, Longas
- São os malucos dos Caçadores Especiais Horas do Tempo Simultaneamente, o sangue corria, amalga-
que andam para aí a treinar. Africano, mado com o cheiro da pólvora, junto à Circuns-
10.ª edição,
- Não pode ser. Partiram para a Baixa de 2019, Câmara crição Administrativa e ao quartel da Polícia Mó-
Municipal de
Cassanje. Oeiras vel. Estes tinham sido os três primeiros alvos de
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