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42. Cultura & Lazer
uma guerra que iria tomar proporções dramáticas tépidas da baía; a ilha está deserta; os cinemas
e estender-se por várias frentes. perdem a frequência.
Nesse momento, eles desconheciam isso; tal Inicia-se o êxodo de mulheres e crianças.
como aquele guarda-noturno que, inseguro, com Aviões partem superlotados; gente que se re-
o seu antiquado sabre e os 70 anos de reformado, fugia na Metrópole, abandonando a capital de
lhes titubeou as boas noites e os avisou da passa- Angola; será substituída pelos que escapam ao
gem de várias ambulâncias. Tão pouco o sabia o vandalismo que assolou o mato. Luanda está
motorista de táxi que os levou lestamente à Mes- por um fio.
se de Oficiais e que ao fim da corrida lhes recusou Num arruamento largo e iluminado, que
o dinheiro... atravessa aquele labirinto de casas e ruelas,
- Não percam tempo! Cheguem-lhes... rola um jipe do Exército. Um europeu – daque-
“Não percam tempo... Cheguem-lhes...”, les que vivem misturados com os indígenas,
quantas vezes os seus nervos terão sido acicata- comendo fuba, e cujos filhos brincam seminus
dos por estas frases sonoras? Eles não perdiam com os negritos do musseque – aproxima-se
tempo... Mas os dias não tinham mais de 24 ho- da viatura. É um lançado, um exemplo do espí-
ras, havia tanto que fazer e eles eram tão pou- rito de adaptação e de desejo de comércio, bem
cos... patentes no nosso povo. É um português típico
Noite cerrada envolve os musseques de Lu- com as suas riquezas e misérias.
anda. O cinturão negro suburbano rodeia a ca- “O musseque inteiro está em pé de guerra”
pital de Angola que viveu, nestes fevereiro e - conta o homem – “de um momento para o
março de 1961, sob o regime do terror. outro desatam a fazer barulho, a gritar.”
As praias despovoam-se. Tão cedo, os lu- Os comerciantes, intranquilos, reuniram-se
andenses não voltarão a banhar-se nas águas na rua iluminada, munidos de armas do acaso,
desde o velho sabre ao bacamarte, e esperam...
Esperam que o Exército não perca tempo e lhes
Funerais dos elementos da PSP de Luanda mortos no ataque chegue...
E o Exército não perde tempo. O comercian-
te serve de guia e interna-se pelo dédalo do
musseque, seguido pelos militares, em colu-
na por um. Os jovens, com as armas em riste,
seguem a outra geração, aquela que viveu ali,
mas que sabe que só poderá continuar com a
ajuda da juventude. E a juventude, que nada ali
possui, não hesita arriscar a vida para defen-
der outras vidas e outros bens.
Na noite cerrada, o labirinto do musseque é
angustiante. Uma sensação de impotência pa-
rece querer apoderar-se daqueles jovens; é que
as ruas são tão estreitas que fácil é, de qual-
quer janela, estender-se arma agressora que
liquide silenciosamente um deles, sem que os
outros se apercebam. Além da incerteza da si-
tuação, a dúvida quanto à veracidade das in-
formações começa a surgir.
- Vamos aguardar. Não podemos andar toda
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