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                                                                                                                             .43
                                                                                       Cultura & Lazer

                                                                                           UMA VISÃO DA HISTÓRIA







                  à noite às voltas no musseque.                                  tada por comerciantes que queriam bater nos
                     Os militares espalham-se pelo pequeno largo,                 prisioneiros, mas que não tinham tido a cora-
                  de modo a protegerem mutuamente as costas. Vi-                  gem de se internarem no musseque. Os mili-
                  giam as casas circunvizinhas que parecem abafá-                 tares impediram que houvesse agressões. JE
                  -los com o seu negrume e silêncio inquietantes.
                  Em vão, os olhos procuram descobrir algo na
                  escuridão. Os minutos vão-se escoando naquele                                      Diario de Lisboa de 4-fev-61
                  silêncio sepulcral; apenas se ouvem as pulsações
                  dos militares que parecem ressoar ao longo das
                  armas...
                     De repente... Sensação esmagadora... O mus-
                  seque inteiro, como uma só voz, começa a gritar.
                  Aos gritos agudos das mulheres, sobrepõe-se o
                  barulho de panelas percutidas. Os militares agi-
                  tam-se e procuram manter o sangue-frio no meio
                  de tal balbúrdia. Não se conseguem fazer ouvir...
                     - Calem-se! Calem-se! Vamos abrir fogo se
                  não se calam imediatamente!
                     De repente... Tal como surgira, aquele ba-
                  rulho desaparece por completo. No ar apenas a
                  vibração dos tiros. E os dois Alferes lançam-se
                  sobre a casa; pontapé na porta, pistola-metralha-
                  dora em punho, penetram no interior. Escuridão
                  absoluta, cheiro intenso de suor; apenas brilham                            luta-armada jornal Angola O País
                  olhos na escuridão; olhos, muitos olhos que os
                  encaram espantados. Do outro lado, um olhar
                  que ainda brilha; mais tarde eclipsar-se-á como
                  tributo neste holocausto que massacrou parte da
                  Nação. Até lá, porém, é um olhar combativo...
                     José Caçorino, na altura, era da 1.ª Compa-
                  nhia de Polícia Militar, tal como o José Saraiva,
                  comandada pelo Capitão Martins Rodrigues. Fre-
                  quentou o 1.º Curso de Comandos, com o Raul
                  Folques. Caçorino, depois, em Moçambique, foi
                  ferido e perdeu a visão...
                     Em Luanda, nessa época, as ações policiais
                  eram da competência prioritária da PSP, mas,
                  como os seus efetivos eram insuficientes, pe-
                  diam apoio à Polícia Militar, onde estava o, en-
                  tão, Alferes Caçorino. Às vezes, nas minhas fol-
                  gas, dava-lhes uma ajuda...
                     A patrulha contava com pequenos efetivos
                  da Polícia Militar e dos Dragões de Angola, aos
                  quais eu pertencia. Aprisionou alguns homens
                  e, quando voltou à rua principal, foi confron-



                                                                                                                    JE
                                                                                                                    JE  706– FEV21 706 – FEV21


         706Fev.indd   43                                                                                                    18/05/2021   14:52:14
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