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RecRutamento no exéRcito PoRtuguês – do condado Portucalense ao século xxi

            não preparado militarmente. Os primeiros tempos não correram bem, com os
            tercios hispânicos a penetrarem em solo francês.
                  Deveu-se  à  ação  e  capacidade  organizativa  dos  intendentes  Michel
            Le  Tellier,  durante  o  magistério  de  Mazarino,  e  ao  seu  filho,  marquês  de
            Louvois,  no  reinado  de  Luís  XIV  a  constituição  de  um  exército  nacional.
            Aos  capitães  competiu  a  responsabilidade  de  recrutamento  interno,  cujas
            arbitrariedades ficaram sujeitas a permanente fiscalização da burocracia do
            estado.  As  insuficiências  foram  colmatadas  por  recurso  a  mercenários  no
            exterior, que constituiriam cerca de um quinto do total de efetivos, mas sem
            recurso aos condottieri, por razões políticas. Foram construídos os primeiros
            aquartelamentos e adotados uniformes reais, iguais em cada regimento, com
            estes a deixarem de formar na linha de batalha segundo a hierarquia dos seus
            comandantes. Foram também criados os serviços de intendência e sanidade,
            através  da  instalação  de  armazéns  ao  longo  das  linhas  de  comunicação,
            permitindo uma regularidade e continuidade nas operações inédita . E, desta
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            forma, em meados do decénio de trinta do século XVII, a França aprontou um
            exército de 150 mil homens .
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                  Nesse período, emergiram os generais franceses Condé e Turenne como
            artífices das inovações militares. Se o duque d’Enghien, príncipe de Condé (1621-
            -1686), foi o comandante tático que, ao derrotar o exército hispânico comandado
            pelo português Francisco de Melo, em Rocroi, em 1643, virou o curso da guerra,
            o marechal Turenne (1611-1671) notabilizou-se como estratega nas campanhas
            da  Alemanha  (1644-1648)  contra  os  habsburgos,  obtendo  um  conjunto  de
            vitórias  que  deram  ampla  liberdade  negocial  a  Mazarino  na  Conferência  de
            Paz de Vestefália, em 1648 . Absorvendo alguns dos ensinamentos militares
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            das  Províncias  Unidas  e  da  Suécia,  o  Exército  Francês  alterou  a  organização
            hispânica-tipo, adotando o princípio da manobra, mediante uma conjugação de
            fogo, movimento e flexibilidade.
                  Assim,  na  infantaria  individualizaram-se  os  mosqueteiros,  os  piqueiros
            e os fuzileiros, a cavalaria passou a armar-se preferencialmente de sabre, e a
            artilharia, antes prerrogativa de elementos civis, passou a contar com militares
            profissionais, que exerciam a sua função com carácter permanente. A unidade


            30  SELVAGEM, Carlos – Portugal Militar. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1991, p. 434.
               KENNEDY, 1985, p. 84.
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               BÉRENGER, Jean – Turenne. Librairie Arthème Fayard, 2007, pp. 191-266.
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