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RecRutamento no exéRcito PoRtuguês – do condado Portucalense ao século xxi

            delle tinham. E este [rei] ouve muytos mais vassallos que os outros reys que
            ante elle forom” .
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                  E ainda que as fontes nos revelem muitos casos de indivíduos adolescentes
            ou já adultos que ingressaram na vassalidade régia e passado, por isso, a receber
            contia, por norma, a outorga destes estipêndios era feita aos vassalos quando
            estes eram ainda crianças de tenra idade. Diz-nos Fernão Lopes que assim que
            nascia um filho legítimo a um fidalgo, o escrivão das contias enviava logo a sua
            casa a “carta da comtia que avia daver” correspondente a um valor equivalente
            à do seu pai e que era colocada, por aquele oficial ou um seu representante, no
            peito da criança, “no berço omde jazia, ou no colo da ama se açertava emtaõ
            de  o ter” . Muito provavelmente era através desta carta que se estabelecia o
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            vínculo vassálico – que parece, por isso, ter tido um certo carácter compulsivo
            – entre quem a concedia e quem a recebia. Embora o cronista não revele qual o
            momento em que a contia começava a ser paga, é possível que tal acontecesse
            apenas a partir da idade de robora, isto é, quando o vassalo atingisse os 14 anos,
            altura a partir da qual já se poderia esperar dele, pelo menos em teoria, um
            serviço militar efectivo. As remunerações, que até essa idade teriam um valor
            meramente simbólico, eram então aumentadas para um valor consentâneo com o
            serviço militar pretendido , ou seja, proporcionalmente ao número de cavaleiros
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            com que o vassalo passaria a apresentar-se sempre que o rei o convocasse .
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                  Este modelo de recrutamento – rapidamente adoptado também por alguns
            grandes senhores nobres e pelos infantes  – permitia a resolução de diversos
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            problemas:  obrigava  o  vassalo  à  prestação  de  um  serviço  militar;  permitia  o
            estabelecimento  de  contingentes  militares  numericamente  estáveis,  já  que
            cada vassalo que morria era substituído na contia por um outro, em princípio,
            o  seu  filho  primogénito ,  teoricamente  bem  armados  e  convenientemente
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            22  Crónica Geral de Espanha de 1344, Vol. 4, Cap. DCCXIX, p. 243.
               Crónica de D. João I. Fernão Lopes. Porto: Civilização, 1990-1991. Vol. 2. Cap. LXX, p. 178;
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            Crónica de D. Pedro I. Fernão Lopes. Ed. Crítica. Tradução e glossário por Giuliano Macchi. Roma:
            Edizioni dell´Ateneo, 1966, Cap. I, p. 92.
            24  GOMES, 1995, p. 192.
            25  Crónica de D. João I, Vol. 2, p. 178.
            26  MARTINS, 2014, pp. 44-45.
            27  MARTINS, 2014, pp. 50-51.
            28  Crónica de D. João I, Vol. 2, Cap. LXX, pp. 178-179; e Chancelarias Portuguesas: D. Afonso IV.
            Ed. preparada por A. H. de Oliveira Marques. Vol 2. Lisboa: I.N.I.C., 1990-1992, doc. 115, p. 211,
            de 1338, Agosto, 3.
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