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3. Entre a Hispânia e o Norte de África (1415-1495)

                     Novos atiradores: os espingardeiros
                     Para  fazer  “concorrência”  aos  antigos  besteiros  surge  em  Portugal  um
               outro grupo de atiradores, cuja afirmação é convergente com o crescimento da
               importância das armas de fogo no cenário europeu.  Falamos dos espingardeiros,
               uma milícia cujo aparecimento no seio da hoste régia portuguesa remonta ao
               segundo quartel do século XV. É na infeliz campanha conduzida pelo infante
               D.  Henrique  a  Tânger,  em  1437,  que  temos  deles  notícia  pela  primeira  vez.
               Seguindo a Crónica de D. Duarte, Rui de Pina diz-nos que, frente aos muros da
               cidade, o infante D. Fernando tinha “concertado um castello de madeira, de que
               aviam  de  tirar  spingardeiros  e  beesteiros” .  Combinados  com  os  atiradores
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               da  besta,  estes  homens  não  deveriam  ser  ainda  em  número  suficiente  nem
               estar organizados em corpo autónomo e coerente já que, dez anos depois, as
               Ordenações  Afonsinas  –  bastante  rigorosas  em  regulamentação  guerreira  –
               ainda não incluem os novos guerreiros .
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                     Empunhando armas de fogo pessoais, como a colubreta ou a espingarda
               de mecha, os espingardeiros tornam a marcar presença ao lado dos besteiros na
               Batalha de Alfarrobeira, em 1449, e novamente na Batalha de Toro, em 1476.
               Nesta última, essa combinação terá sido especialmente eficaz na az esquerda
               portuguesa, às ordens de D. João, que terá desorganizado as forças castelhanas
               na sua frente, tendo o príncipe passado a uma carga com as suas lanças . De
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               facto, o que então se pedia aos espingardeiros era que, num primeiro momento,
               desordenassem  as  forças  inimigas  com  os  seus  disparos,  facilitando  a  carga
               montada dos homens de armas – a descrição de Rui de Pina sobre esse combate
               é reveladora ao referir que, no sector oposto a D. Afonso V, os espingardeiros
               castelhanos “ao romper fizeram com seus tiros fronteiros devydar, e enfiar os
               cavalos” ;  ou  seja,  mais  que  danos  físicos,  parece  terem  sido  os  efeitos  do
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               ruído e do fumo a provocar consequências efectivas ao espantar as montadas e
               desorganizar as forças régias.
                     No  reinado  afonsino  os  espingardeiros  iam  marcando  posição,  lenta
               e  timidamente,  nas  praças  norte-africanas.  Mais  uma  vez  regressando  ao
               regimento da guarnição de Tânger, de 1472, a disposição propunha 10 atiradores

               106  PINA, Rui de – “Crónica de D. Duarte” in Crónicas de Rui de Pina. Cap. XXVIII, p. 548.
               107  DUARTE, Luís Miguel – “Os espingardeiros” in Nova História Militar de Portugal. Vol. 1, p. 371.
               108  COSTA, António Martins – A Batalha de Toro…, pp. 119-120.
               109  PINA, Rui de – “Crónica de D. Afonso V” in Ob. Cit.. Cap. CXCI, p. 845.

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