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RecRutamento no exéRcito PoRtuguês – do condado Portucalense ao século xxi
Não obstante, como muito bem observou Silva Ribeiro, com a Constituição de
1933, “o conceito de defesa nacional cingia-se à sua componente militar” e nesta,
o serviço militar obrigatório era um elemento chave da mobilização nacional,
mobilização nacional da força militar, que era o elemento fundamental da guerra
total, na ótica portuguesa, e que se exprimia essencialmente no levantamento
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da massa válida masculina para armar o exército.
Este Serviço Militar Obrigatório é o espelho de uma conceção de guerra
característica dos fins do século XIX e que perdura na Europa quase até ao fim do
século XX. Ela assenta na guerra como um enfrentamento entre nações, que tem a
defesa nacional corporizada na mobilização de uma força militar composta por todos
os cidadãos válidos, enquadrada por um quadro de especialistas permanente que
enforma e encabeça, hierarquicamente, essa grande massa. É o tempo das guerras
entre nações, com forças armadas hierarquicamente subordinadas à ação política
dos Estados. Este modelo não foi questionado pela emergência da Guerra Fria.
Pelo contrário, para F. Santos Costa, a ameaça soviética e a criação da Organização
do Tratado do Atlântico Norte (NATO) foi vista como uma oportunidade para
alcançar os objetivos que as leis 1960 e 1961 tinham inscrito na defesa nacional e
que a 2ª Guerra Mundial e os constrangimentos financeiros tinham condicionado.
Não obstante é necessário observar que, não sendo o princípio geral da conscrição
interrogado por nenhuma das grandes potências, desenvolve-se no quadro coevo
uma nova ideia, a da “nação em guerra”, um ampliamento das arquiteturas que
em cada Estado se relacionavam com os conflitos armados e com a emergência de
uma ideia de estratégia integral (inicialmente vislumbrada como a Guerra Total) e
da noção de segurança, que impuseram uma ideia de mobilização nacional para
as grandes conflagrações inscrevendo naquela novas dimensões, a política, a
ideológica, a económica, a social e a mediática. Como observou Churchill, para o
qual um dos elementos axiais da sua estratégia era arrastar os Estados Unidos da
América para a conflagração ao lado do Império Britânico, e por isso tinha de lidar
com a lógica das coligações numa guerra, a estratégia tinha de ser uma abarcante
e abraçante visão, em que o propósito se combinava com a interação entre todas
as partes envolvidas e com a precisão necessária para sobrepujando o adversário,
se alcançar os objetivos estratégicos decisivos. Em Portugal, pelo contrário, a
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78 RIBEIRO, António Silva – Organização Superior de Defesa Nacional. Uma Visão Estratégica.
1640-2004. Lisboa: Prefácio, 2004, pp. 149-150.
79 Sobre esta leitura de Churchill segue-se FREEDMAN, Lawrence – Strategy. A History. Oxford:
Oxford University Press, 2013, p. 141.
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