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RecRutamento no exéRcito PoRtuguês – do condado Portucalense ao século xxi

                  A razão que levava Portugal a empenhar-se na defesa dos Pirenéus era
            apresentada de forma evidente pelo Ministro da Exército em maio de 1951. Ele
            considerava dois tipos de ameaças, uma restringida às dificuldades materiais que
            a uma guerra poderia trazer, era a ameaça às comunicações transoceânicas e a
            possibilidade de destruição acrescida trazidas pela guerra aérea. Estas ameaças
            podiam  arruinar  ou  debilitar  economicamente  o  país,  mas  não  punham  em
            causa a sua independência, o seu desaparecimento. Pelo contrário, havia outro
            tipo de ameaça, consubstanciada na invasão, perigo oriundo de uma manobra
            militar terrestre que questionava a própria existência da nação. Era esta ameaça,
            a de invasão, que justificava a centralidade da concentração do esforço da força
            militar na defesa da linha dos Pirenéus.  Os autores reconheciam que outras
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            ameaças podiam surgir no caso de um conflito entre a URSS e os membros do
            Pacto do Atlântico, nomeadamente, os bombardeamentos aéreos, ou a ação
            de forças aerotransportadas, de grupos de sabotagem e de quintas colunas. No
            entanto, como não eram consideradas como ameaças à existência da nação,
            ameaças  existenciais,  eram  relativizadas.  Os  bombardeamentos  aéreos  não
            afetavam muito diretamente as forças terrestres. As ações de sabotagem e as
            quintas colunas, por seu turno, não afetavam diretamente as grandes unidades
            do exército, se bem que pudessem exigir a mobilização de grupos ligeiros de
            reação móvel. Mesmo a ameaça aerotransportada deveria ser desconsiderada,
            derivado de as bases aéreas do inimigo estarem muito afastadas do território
            continental português e a aviação de caça soviética não estar em condições de
            proteger os aviões de transporte.  A grande ameaça existencial era outra.
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                  A  grande  ameaça  denominava-se  Exército  Vermelho,   e  alvejava
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            diretamente,  através  de  uma  invasão  terrestre,  o  território  de  Portugal
            continental.  Calculava-se  que  as  primeiras  forças  da  avalanche  soviética

            93  ANTT  –  AOS/CO/GR-10,  Pasta  15,  Documento  intitulado  Memória  Sobre  os  Princípios
            Fundamentais do Emprego de Forças Terrestres do Exército Português na Previsão de Guerra na
            Europa, a curto prazo, Para Servir de Base aos Trabalhos do Estado-maior do Exército, assinado pelo
            Ministro do Exército, datado de 31 de maio de 1951, ff. 541-542, pp. 4-5 do referido documento.
            94  Idem, ff. 543-545, pp. 6-8.
            95  Em 1952 José Esteves Pereira considerava que a URSS dispunha de 500 divisões, 125 capazes
            de intervir desde a primeira hora (PEREIRA, 1952, pp. 483). Os cálculos de Esteves Pereira são
            sintomáticos da lógica clássica de raciocínio dos militares portugueses. Dividiu a população da
            URSS e dos seus Satélites pelo número de homens que podiam mobilizar e calculou o número de
            mobilizados vezes o número de efetivos divisionais, dando o número de divisões. É certo que no
            fim descontou alguns pontos derivado das limitações de produção industrial da URSS e dos seus
            satélites, mas mesmo assim, a quebra dava 500 divisões (755 no máximo) (Idem, p. 482-483).

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