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RecRutamento no exéRcito PoRtuguês – do condado Portucalense ao século xxi
A relação estabelecida entre o primeiro monarca e grupos como o dos
cavaleiros de Coimbra, e a promoção de uma cavalaria de função militar nos
concelhos de fronteira, beneficiando de fortes incentivos à execução da guerra em
autonomia, permitiram manter pressão constante sobre os poderes muçulmanos,
cuja organização militar se baseava na geração (sazonal ou excecional, em caso
de crise) de exércitos volumosos a partir das cidades do sul do al-Andalus.
Nesses primeiros tempos, e até ao final do século XII, manteve-se uma
certa fluidez social que permitia aos peões tentar a sua sorte nos espaços de
fronteira, podendo obter fortuna suficiente para adquirir cavalo e armas e, assim,
ascenderem à categoria de cavaleiros-vilãos. Chegados aqui, pertencendo à elite
concelhia, alguns vilãos acabaram por passar a fazer parte de uma categoria
inferior de nobreza. Foi deste modo, por via da guerra, que se consolidou uma
aristocracia de segunda linha em Portugal.
Na documentação régia, o uso deliberado da palavra domno a anteceder
alguns cavaleiros, a par de outros que são mencionados somente pelo nome,
deixa entrever estes diferentes estratos. A partir do reinado de D. Afonso II, este
tipo de ascensão já se tinha tornado bastante difícil e os dois grupos, cavalaria
nobre e cavalaria-vilã já se tinham fechado em si mesmos. À medida que nos
aproximamos do reinado de D. Afonso III, a corte vai sendo polo de atração
da nobreza e, consequentemente, o núcleo semipermanente da hoste régia,
que é a scola, transforma-se na componente militar do conjunto que virá a ser
designado por moradores d’El Rey.
Os nobres estavam obrigados a homenagem para com o monarca e esse
laço de vassalagem implicava que se apresentassem com as suas mesnadas para
servir na hoste, embora houvesse, da parte do rei, a obrigação de remuneração
do serviço por intermédio de soldada. Alguns prelados dispunham de forças
militares mobilizadas nos seus coutos e contribuíram com elas quer para a
hoste, quer para a condução de campanhas independentes, mas concorrentes
com a Coroa.
A participação dos municípios representou uma fatia importante da hoste
régia. Para além as operações que desenvolviam em autonomia, os concelhos
mais importantes integravam a hoste através de contingentes coesos, sob
estandarte próprio, estando-lhes reservada, normalmente, a vanguarda. Uma
parte importante dos besteiros e até arqueiros do exército régio era também de
proveniência concelhia.
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