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RecRutamento no exéRcito PoRtuguês – do condado Portucalense ao século xxi
pelos homens apeados, a afirmação das armas de fogo, o prolongamento das
campanhas e, claro, o crescimento em tamanho dos exércitos, nos quais surgem
certos corpos permanentes.
Entre continuidades e rupturas na arte da guerra, observaremos os
processos de recrutamento e de mobilização no reino de Portugal ao longo do
século XV, desde a tomada de Ceuta (1415), no reinado de D. João I, até à morte
de D. João II (1495), já que no governo seguinte, de D. Manuel I, se inaugura uma
fase imperial com novas dinâmicas militares, de Marrocos à Índia. Assim, no
plano geográfico, teremos em conta as duas áreas em que a Coroa se empenhou
militarmente: a Península Ibérica, onde as campanhas se aproximaram da forma
de fazer a guerra no continente europeu; e o Norte de África, espaço em que
os portugueses tiveram de reinventar a forma de combater para enfrentar as
forças do reino islâmico de Fez, ao qual foram conquistando um conjunto de
praças. Por isso, em jeito de enquadramento político-militar, percorreremos
as campanhas lusas de Quatrocentos, procurando dar a conhecer os inimigos
e a natureza das operações. Posto isto, procuraremos analisar os homens,
verdadeiro “nervo da guerra”, quanto aos efectivos e à composição do exército
da monarquia portuguesa – uma perspectiva sempre parcial, mas que torna
possível a sua compreensão. Quem são estes guerreiros? De onde vêm? Como
servem? Serão algumas das questões a que procuraremos responder à luz da
renovação da história militar medieval iniciada, há décadas, por historiadores
como Philippe Contaminne e Christopher Allmand: observar a realidade marcial
em íntima conexão com os seus contextos políticos, sociais, económicos,
culturais e técnicos .
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Para o nosso trabalho beneficiámos desde logo de um conjunto de
estudos que se vêm produzindo nos últimos anos sobre a guerra na Idade Média
(cont.) e as cronologias. Sobre a evolução desse debate, que faz recuar a discussão à Idade Média,
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leia-se: ROGERS, Clifford J. – “The Military Revolutions of the Hundred Years War” in The Military
Revolution Debate: readings on the militar transformation of early modern Europe. Boulder:
Westview Press, 1995, pp. 55-93. Entre os historiadores portugueses, veja-se: DUARTE, Luís Miguel
– “A «Revolução Militar» começou na Idade Média” in Nova História Militar de Portugal. Vol. 1.
Rio de Mouro: Círculo de Leitores, 2003, pp. 347-349; VARANDAS, José – “Os exércitos medievais:
continuidade e ruptura nas vésperas da conquista do Novo Mundo” in Raízes Medievais do Brasil
Moderno: actas. [Lisboa]: Academia Portuguesa da História, 2008, pp. 183-207.
5 Sobre a renovação da história militar medieval no último terço do século XX e os seus impactos
em Portugal, leia-se: MONTEIRO, João Gouveia, MARTINS, Miguel Gomes – “The Medieval Military
History” in The Historiography of Medieval Portugal c. 1950-2010. Lisboa: Instituto de Estudos
Medievais / Centro de História da Sociedade e da Cultura, 2011. pp. 459-481.
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