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RecRutamento no exéRcito PoRtuguês – do condado Portucalense ao século xxi

            nos territórios ultramarinos. Esta ameaça correspondia a uma forma de guerra
            que exigiu um enorme esforço de mudança conceitual e de recursos ao longo de
            mais de uma década. Nem mesmo a entrada de Marcelo Caetano, que prometia
            alterações significativas no regime, trouxe alguma mudança na obstinação com
            a manutenção da guerra.

                  O esforço de guerra obrigou a uma mudança no recrutamento e mobilização
            de  massas  para  África.  Pela  primeira  vez,  desde  a  República,  a  conscrição
            universal e obrigatória passou a ser a norma e tornou-se cada vez mais eficaz. No
            início da guerra, em 1961, havia cerca de 40 000 soldados nas Forças Armadas,
            efetivo que ascendeu a cerca de 215 000 em 1974. Os efetivos mobilizados nos
            três teatros totalizavam cerca de 117 000, dos quais 107 000 eram do Exército
            e, destes, 65% cumpriam o serviço militar obrigatório. A natureza do conflito,
            que exigia a presença de forças disseminadas no terreno e forças de intervenção
            com treino especial, fez com que o Exército ocupasse o lugar central nas Forças
            Armadas. As questões políticas e sociais conduziram também a que os faltosos
            e desertores passassem de 10% em 1961, para cerca de 20% em 1974. Com a
            exaustão sentida pelas autoridades, a africanização das tropas passou a ser um
            objetivo importante para manter um nível de efetivos que garantisse o esforço
            de guerra. Do total de efetivos, as tropas africanas passaram de cerca de 20% em
            1961 para cerca de 40% em 1974.
                  Outras mudanças importantes ocorreram no seio dos quadros permanentes
            para garantir o enquadramento necessário à “guerra de guerrilha”, em especial
            no posto de capitão, que acabaria por gerar uma onda de descontentamento
            que marcou a revolta militar de abril de 1974, que derrubaria o regime. Também
            o facto de cerca de um milhão de portugueses ter cumprido o seu serviço militar
            obrigatório  nas  colónias  é  um  fator  a  considerar  na  revolta,  na  mudança  do
            regime e na convulsão que se lhe seguiu.
                  A consolidação democrática, na década de 1980, introduziu importantes
            alterações  na  política  de  defesa  nacional,  com  especial  incidência  no
            recrutamento. A república havia introduzido  o serviço militar obrigatório em
            1911 e a consolidação da democracia introduziu o modelo de serviço profissional
            que hoje temos. Esta mudança teve razões técnicas, derivadas da necessidade de
            lidar com equipamento de tecnologia de ponta; e razões políticas relacionadas
            com o novo tipo de missões e com a total subordinação das forças armadas ao
            poder político.

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