Page 421 - recrutamento
P. 421

11. Nação e Mobilização – Estratégia e Recrutamento na Era Salazar (1933-1959)

               assegurasse a existência de dois escalões militares, um ativo, permanente, e
                                                                            9
               um de reserva. Interrogava-se assim a pureza do modelo miliciano.
                     Após o 28 de maio de 1926, muito imediatamente ao sucesso do golpe
               e a apropriação das rédeas governativas por parte do Exército, entre junho e
               setembro desse ano, foram publicados diversos decretos que reorganizavam
               as forças militares metropolitana e colonial. Segundo a História do Exército
               Português, a reestruturação devia-se à consciência de que o modelo miliciano
               não tinha viabilidade num país como Portugal, que, dispondo de colónias, exigia
               um modelo de organização militar mais permanente, além de que a evolução
               tecnológica e a sofisticação da guerra moderna obrigavam à existência de um
               exército semipermanente, com um núcleo de instrução e cobertura em tempo
               de paz, capaz de crescer em tempo de guerra para o máximo de mobilização
                       10
               possível.
                     Na verdade, os objetivos da nova legislação visavam um horizonte mais
               lato, assegurando a proeminência do corpo de oficiais do Exército, assente numa
               hierarquia bem ordenada, por contraponto ao modelo miliciano – baseado no
               modelo suíço, em que toda a estrutura castrense, incluindo o corpo de oficiais
               seria milicianizado, espelho de uma visão democrática da cidadania, em que
               desta emanaria a própria defesa nacional – que vigorara durante a I República
               e que se refletira na anarquia que caracterizara a força armada, nesse período,
               o que implicava a assunção de que o poder militar teria de ter uma estrutura
               mais  especializada  com  uma  muito  maior  tecnicidade  e  por  conseguinte,
               que  valorizasse  a  importância  do  conhecimento  especializado,  ou  seja,  da
               profissionalização  acentuada  de  parte  dos  seus  elementos  –  o  oficialato  (no
                                                                                     11
               fundo,  como  já  decorria  do  parecer apresentado  aos  deputados  em  1924).
               Simultaneamente,  pressupunha-se  uma  modificação  da  política  de  defesa
               até então assente na “defesa recuada”, em prol da “defesa avançada”, isto é,
               na  defesa  de  Portugal  ao  longo  da  fronteira  raiana.  Paradoxalmente,  o  novo
               modelo de organização militar e de defesa avançada impunha uma mobilização


               9  Arquivo Histórico Militar (AHM) – Assuntos Militares Gerais, Organização do Exército, 3º Divisão,
               2º Secção, Caixa 15, Nº 24, Parecer do Conselho do Estado Maior do Exército, datado de 1924.
               Refira-se o facto de o parecer salientar a relevância do modelo militar francês.
               10  OLIVEIRA, A. N. Ramires (Coord.) – História do Exército Português (1910-1945). 5º Volume.
               Lisboa: EME, 1995, pp. 37-9.
                 Sobre  o  modelo  miliciano  tal  qual  a  I  República  o  vislumbrava,  veja-se,  para  uma  síntese,
               11
               DUARTE, 2014, pp. 785-790.
                                                                                  409
   416   417   418   419   420   421   422   423   424   425   426