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1. O recrutamento e a mobilização na Reconquista Portuguesa – 1128-1249

               passado despercebido à maioria dos historiadores. No panorama português,
               o tenente-coronel Artur Botelho da Costa Veiga foi pioneiro na abordagem do
               tema, num trabalho isolado, publicado em 1936, que representa, ainda hoje,
               ponto de partida incontornável para o estudo do assunto em Portugal .
                                                                               112
                     Interessa ter presente o significado dos forais concedidos aos municípios.
               Eram  documentos  legais,  outorgados  pelo  rei  ou  por  senhores  leigos  ou
               eclesiásticos  (se  dentro  de  um  senhorio),  que  sistematizavam  os  preceitos  a
               cumprir por uma comunidade (normalmente uma vila) mas garantindo que a
               elite  local  de  cavaleiros-vilãos  detinha  grande  autoridade  dentro  dos  limites
               do concelho, protegendo-a da concorrência de nobres que aí pudessem vir a
               instalar-se. O concelho aceitava a autoridade do rei, materializada localmente
               por  um  seu  representante  nobre  (um  rico-homem  ou  um  elemento  de  um
               estrato inferior da nobreza, nomeado alcaide). Os cavaleiros-vilãos cumpriam
               obrigações militares e tributárias em relação ao monarca e este comprometia-se
               a garantir a manutenção dos privilégios outorgados – dos quais se destacam os
               judiciais – e a acorrer em defesa da vila em caso de necessidade.

                     Era  este  assegurar  de  privilégios  a  concelhos  de  fronteira  (o  concelho
               é uma ideia originalmente associada à fronteira), que permitia ao rei manter
               controlo  sobre  esses  espaços  e  dispor  de  apoio  direto  na  guerra  contra  o
               Islão,  não  dependendo  exclusivamente  das  mesnadas  nobres  ou  das  ordens
               militares . Em boa verdade, em Portugal os municípios foram preponderantes,
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               quer no efetivo que mobilizavam para a hoste régia – os concelhos de Coimbra, de
               Santarém ou de Lisboa dispunham de milícias com várias centenas de cavaleiros,
               que também desempenhavam ações de vulto em completa autonomia – quer
               na multiplicação de operações militares de iniciativa própria, algumas das quais
               com impacto estratégico relevante.
                     Em  dezembro  de  1162,  cavaleiros  de  Santarém  efetuaram  um  ataque
               de surpresa a Beja, tendo-a ocupado, saqueado e devastado os seus domínios
               até  fevereiro  do  ano  seguinte,  quando  a  abandonaram .  Ibn  Idari  refere,
                                                                    114
               também, que em 1182 ou 1183, as forças de Santarém e de Lisboa atacaram

               112  VEIGA,  Artur  Botelho  da  Costa  –  Estudos  de  História  Militar  Portuguesa,  Volume  1,  Parte
               Primeira:  Corografia  Militar  do  Noroeste  de  Portugal  em  1220-1258;  análise  da  tradição  e  da
               polémica de Ourique, 1936.
               113  MATTOSO, José – A nobreza e os cavaleiros-vilãos na Península Ibérica (séculos X a XIV). In Naquele
               Tempo: Ensaios de História Medieval. Rio de Mouro: Temas e Debates, pp. 353-365, 1999, p. 360.
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                  Annales Domni Alfonsi Portugallensium Regis. Ed. Monika Blöcker-Walter. Zurique, pp. 151-
               -161, 1966, p. 158 (ADA, p.158).
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