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RecRutamento no exéRcito PoRtuguês – do condado Portucalense ao século xxi

            progressivo da fronteira, que levou a que muitas dessas forças deixassem de
            realizar  –  por  sua  própria  iniciativa  –  cavalgadas  contra  território  inimigo,
            perdendo, assim, boa parte da sua capacidade ofensiva e das rotinas de combate
            até então adquiridas. Para além disso, a hoste régia deixara também, desde o
            desastre de Badajoz, em 1169, de ser convocada com regularidade, pelo que
            as  exigências  régias  de  um  serviço  militar  efectivo  eram  também  em  menor
            número. A tudo isto acrescia a desactualização de muitos dos limites financeiros
            que serviam de base para a imposição do estatuto de cavaleiro-vilão, o que terá
            provocado em muitos concelhos uma acentuada redução do número de lanças
            de cavalaria disponíveis. E como a actividade guerreira, sem a possibilidade de
            obtenção de espólios, deixava de ser lucrativa, poucos – ou nenhuns – seriam
            os  que  se  ofereciam  voluntariamente  para  integrar  a  cavalaria-vilã,  já  que
            este estatuto lhes dava mais despesas do que lucro. Por tudo isso, as armas
            e as montadas dos cavaleiros, mas também o armamento da peonagem dos
            concelhos terão sofrido um nítido processo de deterioração. Muitos nem sequer
            as adquiriam, seguros que ninguém os iria obrigar a provar que as possuíam e,
            por outro lado, que só muito dificilmente as iriam utilizar em combate, enquanto
            outros se apresentavam mal equipados, com armas velhas e em mau-estado e
            com cavalos pouco adequados à actividade guerreira. Não admira, pois, que a
            eficácia das milícias concelhias portuguesas tenha decaído de forma ainda mais
            abrupta quando o seu contributo deixou de ser tão importante, ou seja, com
            o final do processo da Reconquista . E também não nos deve espantar que,
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            perante este cenário, a Coroa portuguesa tenha, a dada altura, optado por as
            convocar para, de imediato, as dispensar do serviço militar efetivo, exigindo-
            -lhes, em troca, o pagamento da fossadeira, o que permitia ao rei mobilizar e
            remunerar outras forças, designadamente algumas lanças da nobreza.
                  Foi para solucionar a perda de qualidade das milícias concelhias, problema
            que, a arrastar-se, poderia pôr em causa não só a capacidade bélica da hoste
            régia, mas também a segurança do reino face a eventuais ameaças externas e
            internas, que D. Dinis empreendeu um importante conjunto de iniciativas.
                  Na base das medidas então tomadas estava, em primeiro lugar, a adequação
            à realidade de início Trezentos dos valores que determinavam a integração dos
            vizinhos dos concelhos ora no grupo dos cavaleiros, ora no dos peões. De facto,


            51  MATTOSO, José – Identificação de um País: Ensaio sobre as origens de Portugal. 1096-1325.
            Vol. 1. Obras Completas de José Mattoso. Lisboa: Círculo de Leitores, 2001, p. 354.
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