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RecRutamento no exéRcito PoRtuguês – do condado Portucalense ao século xxi

                  Tal como no caso dos seus congéneres do conto, os besteiros de cavalo
            estavam sujeitos à autoridade de um anadel-mor, por vezes designado como
            coudel-mor e outras como capitão, que tinha sob o seu comando diversos anadéis
            – um por cada anadelaria, ou seja, um por cada unidade de recrutamento –,
            os quais, na sua missão, eram auxiliados por escrivães e porteiros, incumbidos,
            acima de tudo, de questões de natureza administrativa . Se bem que referentes
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            a um período mais tardio, as fontes documentam a existência de anadelarias
            sedeadas, por exemplo, em Guimarães, Arruda, Lourinhã, Porto, Beja, Lisboa e
            em Tomar.



                  Criminosos e Homiziados
                  O recrutamento de criminosos e homiziados parece, desde cedo, ter sido
            uma prática corrente entre os grandes senhores que, assim, engrossavam as
            suas mesnadas e séquitos. Esta era uma realidade comum em todo o Ocidente
            Medieval, cujos exércitos integravam, segundo estimativas de H. J. Hewitt, uma
            percentagem de 2% a 12% de marginais . Fugidos à justiça e, por vezes, a uma
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            pena  severa,  estes  homens  encontravam  junto  das  casas  senhoriais  em  que
            se refugiavam, a protecção que lhes permitia continuar impunes e, por vezes,
            prosseguir  a  sua  actividade  criminosa.  Veja-se,  por  exemplo,  o  contingente
            liderado pelo infante D. Fernando, senhor de Serpa e filho de Afonso II, que em
            1238 entrou em Lisboa ao comando de um pequeno exército composto, entre
            outros, por inúmeros aventureiros e marginais, tanto cristãos como muçulmanos
            que  destruíram  e  roubaram  bens  do  bispo  João  Rol  e  dos  seus  apoiantes .
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            Também o infante D. Afonso, durante a guerra civil de 1319-1324, liderou um
            exército  que  integrava  marginais  e  criminosos,  nomeadamente,  agressores,
            assassinos, violadores, ladrões e falsários . O exemplo foi seguido pelo infante
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            D. Pedro que, durante o procedimento de revolta contra o seu pai, Afonso IV, em


            98  MONTEIRO, 1998, p. 72.
            99  HEWITT, Herbert James – The organization of War under Edward III (1338-1362). Manchester:
            Manchester University Press, 1966, p. 30.
            100  PEREIRA, Armando de Sousa – O infante D. Fernando de Portugal, senhor de Serpa (1218-
            -1246): história da vida e da morte de um cavaleiro andante. Tomo X. In Lusitânia Sacra, 1998, p.
            106; e MARTINS, Miguel Gomes – Guerreiros Medievais Portugueses. De Geraldo O Sem-Pavor ao
            conde de Avranches. Treze Biografias de Grandes Senhores da Guerra (Séculos XII-XV). Lisboa: A
            Esfera dos Livros, 2013a, pp. 70-71.
            101  Documentos para a História da Cidade de Lisboa: Livro de Místicos de Reis …, doc. 15, pp. 135-
            -146; e MARTINS, 2014, p. 66.
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