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RecRutamento no exéRcito PoRtuguês – do condado Portucalense ao século xxi
da nobreza em cumprir as suas obrigações militares de natureza feudo-vassálica,
estamos certos que essa metamorfose, operada por iniciativa régia, foi uma
resposta às dificuldades sentidas com a mobilização dos nobres que, com as
suas forças, constituíam, na feliz expressão de Mário Barroca, a “espinha dorsal
dos exércitos medievais” . Graças à sua mesnada, o rei podia agora dispor de
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um contingente que, em operações de menor envergadura, podia actuar como
uma alternativa ao contributo de algumas lanças da nobreza, relativamente às
quais tinha até diversas vantagens, designadamente a rapidez de mobilização.
Como vimos já, só no reinado de D. Dinis se alcançou uma solução estável –
o regime remuneratório das “contias” – para obviar aos problemas relacionados
com o recrutamento e a mobilização da nobreza. Por isso, a mesnada do rei
deixou de ser necessária, pelo menos com a configuração que tinha apresentado
durante o reinado de Afonso III. Mas como o monarca continuava a necessitar
de um corpo que, em regime de permanência, assegurasse diariamente a sua
protecção, assistiu-se à recuperação do modelo “original” da Guarda do Rei,
um processo que parece ter decorrido por finais de Duzentos ou em inícios de
Trezentos e não, como sugerem alguns autores, na transição do reinado de D.
Dinis para o de Afonso IV. De facto, é nos primeiros anos do século XIV que
começam, de novo, a surgir indivíduos documentados como membros da “guarda
do rei”, alguns deles identificados também como vassalos régios . E ainda que
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os nomes arrolados possam constituir apenas uma parcela muito reduzida de
um todo cujas características e dimensão não nos é possível descortinar, parece-
-nos evidente que nenhum desses homens faria parte dos sectores cimeiros da
nobreza, sendo, isso sim, figuras provenientes, quanto muito, dos seus escalões
inferiores. Outros, talvez a maioria, ainda que atestados como cavaleiros e
escudeiros, eram seguramente de origem não nobre, recrutados, quem sabe,
entre as milícias dos concelhos, mas que podiam, eventualmente pela relevância
dos serviços prestados, alcançar a nobilitação, como pode ter sido o caso de
João Mendes, morto em 1329, e em cujo túmulo é identificado como “guarda
del rei Dom Denis e seu de criaçom” .
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115 BARROCA, Mário – Da Reconquista a D. Dinis. In BARATA, Manuel Themudo e TEIXEIRA, Nuno
Severiano (dir) – Nova História Militar de Portugal. Vol. 1, (Coord. José Mattoso). Lisboa, Círculo
de Leitores, 2003, p. 79.
116 MARTINS, 2014, p. 112.
117 BARROCA, Mário – Epigrafia Medieval Portuguesa (862-1422). Vol. 2. Lisboa: Fundação
Gulbenkian / FCT, 2000, pp. 1531-1535.
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